Relato pessoal, desde a minha infância, entregue como trabalho acadêmico onde o objetivo maior era resgatar dentro de mim o real motivo pelo qual eu desejei ser Pedagoga. Quando minha professora falou que seria legal escrever, que gostaríamos, não dei crédito, mas tenho de confessar que foi muito bom recordar de muitas coisas legais que ocorreram nessa época.
A INFÂNCIA
Minha mãe me contou que um belo dia
a campainha da porta tocou e, ao atender, ela atônita ficou ao ver a vizinha de
mãos dadas comigo que em posse de uma folha de papel e um lápis,
sorrateiramente, fugi de casa para ir à escola. Primeira lição da maternidade,
segundo ela, correr quando não escutar o barulho da criança.
Essa foi a primeira de inúmeras
vezes em que a perturbei para ir à escola, sempre gostei e pelo que ela me
conta, os professores também gostavam de mim. Diziam que eu era uma criança
fácil de lidar, educada e prestativa e extremamente questionadora.
PRIMEIROS ANOS
O pouco que recordo do meu primeiro
ano me remete à cartilha Caminho Suave e a exercícios de caligrafia, que até o
dia de hoje, me pego fazendo quando tenho caneta e papel disponíveis e nada na
mente para transcrever. Não sei bem o motivo, mas eu curtia fazer voltas e
ondas e vaivéns, eu viajava legal nesse tipo de atividade.
No final do 1º ano mudei-me para
outro município e infelizmente peguei uma escola extremamente atrasada, o que
me prejudicou por demais quando retornei à São Caetano, no meio do 2º ano, para
a mesma escola de onde havia saído. A diretora, conhecida de minha mãe,
preocupada em colocar-me novamente no 1º ano chamou minha mãe para uma conversa
franca para decidirem juntas o que fazer. Embora eu estivesse um ano adiantada,
ela não achava legal me voltar para a primeira série pois poderia causar um
certo trauma em mim, ao passo que eu estava atrasada por demais para acompanhar
a turminha da minha classe. Minha mãe sorriu para a diretora e disse para ela
não se preocupar que em breve eu não seria problema para ninguém, que fosse me
dada mais uma chance, ela me ajudaria em casa, e assim foi feito.
Na escola cursava pela manhã a 2ª
série e em casa recebia aulas de 1ª série, ministrada pela minha mãe, uma das
melhores professoras que eu já tive e, dois meses depois a professora a chama
para pedir que ela paresse com o reforço, pois eu já havia não só alcançado a
turma, como ultrapassado o plano de aula dela. Eu já estava perdendo o
interesse pelo que a professora ensinava, pois já conhecia o conteúdo, o pedido
foi acatado de pronto e a partir de então não tive mais problemas escolares
desde, pois toda vez que eu achava que não conseguiria fazer algo, ou ainda
acho, minha mãe não me deixa esquecer o fato de que em dois meses, recuperei um
ano de escola.
Lembro-me daquele ano em flashes muito
rápidos, mas em sua maioria são lembranças agradáveis. Em geral, a professora
me pedia que eu corrigisse o caderno dos meus colegas e os ensinasse como
deveria escrever corretamente as palavras, ordem que eu obedecia com rapidez e
satisfação, pois eu gostava demais de mostrar a eles como que era o certo a
fazer. Lembro que eu ficava feliz quando eles acertavam, eu sorria e a minha
professora ao ver-me ajudando os outros com tanta vontade sorria de volta. Meu
coração ficava leve e alegre.
Da época do primário, esse foi o
ano mais memorável que eu tive e o ano que eu mais recordo com apreço e
satisfação. Nenhum outro me causa tanta lembrança quanto esse. Pena que eu não
recorde do nome de minha professora ou de meus colegas, nunca fui boa nesse
ponto. Mas a sensação de ajuda-los nas atividades, essa eu jamais esquecerei,
era uma sensação maravilhosa.
GINÁSIO
Se existe uma época da minha vida
onde eu queria passar uma borracha, seria essa. Pelo amor de Deus! O que foi
aquilo?
Colégio particular, um professor
para cada disciplina, um monte de filhinho de papai e de cocotinha cheia da
grana e a Andréa lá, criada com princípios de humildade e simplicidade sendo
alvo de bullying por parte daqueles sádicos adolescentes.
A parte boa é que apesar disso tudo
meu rendimento escolar não foi dos piores, embora não tenha sido dos melhores
também, mas em algumas disciplinas eu era muito elogiada e prestigiada pelos
professores nas reuniões de pais.
Sobrevivi ao Ginásio.
O COLEGIAL
Esse foi um pouco melhor do que eu
previa, com exceção da primeira escolha feita.
Minha gana de sair do Externato
Santo Antônio e de deixar aquela renca espiritual para trás era tanta que
escolhi a escola pela menor probabilidade de encontrar mais conhecidos de lá. Escolhi
o Jorge Street. Escolhi fazer Eletrônica. Nada a ver comigo e pior, descobri
que alguns dos meus piores pesadelos também haviam passado no processo seletivo
de lá. Fazer o que?
Mas a realidade era outra. O tipo
de educação, de professor, de aula eram outros e para uma garota imatura, vinda
de uma escola de freiras, cheia de restrições, cair de paraquedas numa outra escola
com os portões totalmente abertos foi um baque tremendo.
Os professores já não ficavam em
cima dos alunos para ver se estes faziam ou não as tarefas, tinha aluno que
chegava na escola e escolhia simplesmente não assistir a aula e tudo bem, o
professor não chamava o pai ou a mãe. Resultado? Perdi-me nessa liberdade
exacerbada e mal administrada e pela primeira vez me deparei com a tão temida
“recuperação”. Cinco disciplinas pendentes, de quatro me safei e em uma eu
fiquei retida por 0,75 e essa doeu, pois eu descobri uma coisa que eu jamais
havia imaginado que poderia existir, o assédio.
Eu poderia ter passado de ano se
tivesse sido uma ‘boa menina’ para o professor de matemática, mas a opção menos
desastrosa que eu encontrei foi a de me fazer de idiota e sonsa fingindo não
ter entendido a oferta velada.
“Sim professor, serei uma boa
menina e estudarei bastante, obrigada” disse virando as costas e saindo devagar
com a boca seca torcendo para não deixar que as lágrimas de ódio rolassem pelo meu
rosto. Eu já sabia que esse professor era sem-vergonha, mas não imaginava que
poderia chegar a tanto, isso nunca deveria acontecer.
Repeti em matemática.
No ano seguinte, optei em fazer
apenas essa matéria e para minha surpresa, outro professor tomou o lugar
daquele, e a disciplina voltou a ter o seu brilho novamente. Tudo era tão
absurdamente simples e fácil dessa vez, que mal acreditei que não havia
compreendido antes. O que havia acontecido? Minhas notas dispararam, o
professor era um homem justo, respeitador, rigoroso e eu o adorava por sua
inteligência e perspicácia.
Outro que me fazia viajar em suas
aulas era o professor de Física, esse eu não esqueço o nome, Hideo, suas
explicações entraram de tal modo e minha mente que até hoje, se eu fechar os
olhos, ainda escuto ele falar.
Passei para o 2º ano mas desisti do
curso de Eletrônica bem no meio do ano letivo ficando, para “alegria” de meus
pais, sem estudar seis meses em casa, mas também quando voltei mais ajuizada e
senhora do que queria fazer levei um pouco mais sério meu Colegial Técnico em
Secretariado no Alcina Dantas Feijão.
Lá eu era uma das mais velhas da
sala e logo arrumei uma turma legal onde me identifiquei, e outra turma que
rivalizasse comigo diretamente. De todas as escolas que me lembro, foi nessa
instituição que tive os melhores professores dessa época. Lembro-me com carinho
de cada um deles.
Os professores de matemática eram
os que mais gostavam de mim, porém meu ponto alto no primeiro ano do Colegial
foi na disciplina de Física. A coitada da professora por mais que tentasse não
conseguia de forma alguma passar a mensagem para os alunos, simplesmente eu via
todo mundo com cara de desespero, minhas amigas em pânico e eu tranquila.
Um dia chamei-as para uma tarde em
casa e repassei a matéria com elas, usando praticamente a mesma metodologia do
professor Hideo (Jorge Street) e senti uma satisfação muito intensa ao ver seus
olhos brilharem no exato momento em que “caiam as fichas” do entendimento em
suas cabecinhas. Resultado? Da classe toda, eu fui a única que teve média 10 e
dentre minha amigas nenhuma teve nota abaixo de 7.
Esse foi meu passaporte da alegria
naquele ano em que a maioria da sala me considerava a “nariz-empinado-arrogante-do-ano”,
pois aos poucos foram se aproximando de mim timidamente, com perguntas simples
sobre a matéria e quando eu percebi, já estava rodeada de garotas atentas a
cada palavra que eu dizia, me fazendo perguntas e tirando dúvidas.
No segundo bimestre o número de
alunas com notas recuperadas aumentou, o que fez com que as outras alunas que
ainda tinham resistência à minha pessoa dessem a mão à palmatória e deixassem a
bobeira de lado. Nessa altura do campeonato, quando a professora saía da sala, em algumas ocasiões, uma das meninas ia verificar se ela já havia sumido de vista para que eu fosse
até a lousa refazer o exercício deixado por ela. Isso durou o resto do ano.
Nunca a professora soube, tanto que
ao final, ela com lágrima nos olhos disse que aquela tinha sido a melhor classe
que ela teve em anos e que ela tinha muito orgulho em ver como todas tínhamos
nos recuperado do 1º bimestre. Nessa hora ninguém disse um A, pois não era típico daquela
turma querer ver alguém triste.
Anos depois repeti a dose com o
primo do meu marido que caiu com a mesma professora e o salvei de uma
repetência iminente, só não consegui fazer isso com minha filha o ano passado,
por pura falta de tempo. Por incrível que pareça, ela caiu com a mesma
professora e no momento que ouvi o seu nome virei pro meu marido e falei
“Professor Particular, não vou conseguir dar conta dessa vez”, a matéria além
de estar arquivada bem fundo na memória, poderia se misturar às preocupações
atuais de serviço e faculdade, logo, sabiamente, resolvi passar a bola para
alguém mais preparado e não me arrependo. Quando o professor veio em casa e vi
a paixão dele em ensinar e a forma como ele se entusiasmava com a participação
da Natália eu revivi o quanto era gostoso fazer os outros entenderem o que você
está falando. Aquele “Ahhhhhh, é isso????” dá vontade da gente gritar um
“Gooooooollllllll” marcado nos 45 minutos do 2º tempo de uma decisão. É muito
bom.
VIDA ADULTA
Dei um tempo na minha vida
acadêmica, pelo menos em parte, pois sempre dava um jeito de voltar às salas de
aula, parecia que eu tinha a necessidade de respirar o ar de uma escola.
Matriculei-me em diversos cursos ao
longo do tempo que fiquei ausente do mercado de trabalho. Inglês, Access, Web
Designer, Telemarketing, Corte e Costura, Artesanato, foram algumas aventuras
das quais participei e, em todas, modéstia à parte, eu me saia razoavelmente
bem a ponto de ajudar alguém desesperado o suficiente para pedir o meu auxílio.
Não foram poucas as vezes que me falaram que eu tinha “muito jeito” para
explicar as coisas, que era fácil entender quando era eu quem falava. Nesses
momentos em particular me sentia mal e torcia para que outros não escutassem,
pois temia que tais comentários caíssem nos ouvidos dos professores que são
declaradamente melindrosos, e por isso entendia muito bem quando percebia certa
hostilidade por parte de alguns. Mantive-me afastada da maioria deles, me
coloquei sempre no meu lugar de discente e procurava ajudar os outros na
ausência deles, sim, por que parar de ensinar, JAMAIS.
Sempre me pego dando conselhos,
dicas e palavras aos outros, me recrimino depois por ser tão enxerida, mas a
gana que eu tenho de avisar e mostrar que tal caminho pode ocasionar a queda de
alguém é tamanha que algumas vezes é difícil segurar a língua.
Coceiras pelo corpo inteiro é o que
eu sinto quando eu vejo alguém fazendo algo de uma forma equivocada, teimando
no erro. Outro dia, sem querer, achei um erro em um contrato e fui mostrar ao
meu chefe que de bate pronto não aceitou a minha correção, com calma respirei
fundo e falei “Não senhor, está errado SIM”, com isso ganhei a sua atenção total,
a ponto de dar-lhe uma pequenina e singela aulinha de português e vê-lo compreender o que realmente estava errado. Satisfação! Essa é a palavra que mais
define o que eu senti. Não satisfação por ter apontado um erro, mas por ter
feito alguém perceber e entender esse erro o que, na minha opinião, vale muito
mais, pois garanto que daqui por diante ele não esquecerá.
O QUE ME FEZ ESCOLHER A PEDAGOGIA?
Já contava com 38 anos de idade
quando prestei concurso para Auxiliar da Primeira Infância da Prefeitura de São
Caetano do Sul e passei, já nessa época, nutria em segredo a vontade de fazer
uma faculdade e dentre todos os cursos oferecidos, dois me chamavam a atenção:
Pedagogia e Psicologia.
Sem falar nada a quem quer que
fosse iniciei no novo emprego, entusiasmada com o cargo e muito temerosa com a
responsabilidade adquirida.
Comecei a observar coisas que não
me agradavam nem um pouco por parte dos educadores, tanto professores quanto auxiliares
e demais funcionários. Tentei fazer diferença para as crianças, mas, é claro
que não dá para se tampar todos os buracos de uma vez só.
A vontade pela Pedagogia foi
aumentando.
Um belo dia, sem aviso prévio, o
meu marido, enquanto preparava o café da manhã, sugere que eu retorne aos
estudos que eu faça faculdade, pois ele teme, por estar perto da aposentadoria
(imagine só), perder o cargo e não dar conta do recado. Meio que chocada com o
argumento e tranquilizando o homem quanto à isso lembrando à ele que até lá
dois dos filhos já estariam adultos e encaminhados, não perdi a oportunidade e
agarrei-me nela, conversamos seriamente sobre o assunto, fizemos as contas pois
naquela época nossa vida financeira era muito difícil mesmo e decidimos
investir nesse propósito.
E assim, no semestre seguinte
iniciei minha jornada na faculdade, com o medo típico de estar pagando mico em
meio aos jovens recém-formados e torcendo para não ser apelidada de tia.
No primeiro dia de aula eu estava
tão nervosa que confundi o horário e cheguei com meia hora de atraso e me odiei
por isso. Odeio atrasos, mas por outro lado foi bom, pois eu visualizei a
classe lotada e notei que havia uma miscelânea etária que me deixou muito
confortável.
A cada aula que passava eu me
encantava cada vez mais com os professores da faculdade. O modo de falar, suas
posturas, seu vocabulário e apesar do cansaço extremo que me fazia jogar água
no rosto no meio da aula (para despertar) eu praticamente devorava cada palavra
que eles diziam e não perdoava nenhuma dúvida que tinha por mais idiota que
fosse.
Minha visão de escola tinha mudado.
Meu objetivo também. Quem quer ensinar não pode se dar ao luxo de cultivar dúvidas,
não pode se dar ao luxo de entender mais ou menos alguma coisa, mas também não
precisa ser um expert em todos os assuntos.
Foi ainda no primeiro semestre que
a professora Claudia Rosin, passou um vídeo que mostrava o que era a EJA, e a
alfabetização de adultos. Apaixonei-me. Meu coração apertou e acelerou. Senti
uma imensa vontade de pular na tela e fazer parte daquilo, encontrei o que eu
queria.
Mas e a educação infantil onde ficava?
Por alguns meses essa pergunta ficou me rodeando, pois eu estava na educação
infantil ocupando o cargo de auxiliar e eu via o quanto era gostoso e agradável
também, trabalhoso sim, mas qual trabalho não tem suas tarefas árduas? Só que
tinha algo na educação infantil que não me agradava e ainda não sabia o que
era, algo me incomodava, algo não me deixava à vontade.
Era uma tarde da semana em que eu
estava indo para a sala de aula e eu vi a merendeira dizer ao Thiago, (garoto
da minha sala) 2 anos, “Você é uma coisa heim?” com tom desagradável na voz.
Fiquei séria e fechei a cara ao
perceber que o menino emburrou e começou a pisar duro em direção ao parque.
Passado mais ou menos 2 horas, na
hora da troca das crianças, eu o chamei para mudar sua roupa e enquanto eu o
despia e brincava com ele ouvi-o dizer baixinho olhando para mim “Eu sou o
Thiago, eu não sou uma coisa”. Terminei de vestir a calça nele, dei-lhe um
abraço bem gostoso, um beijo estalado na bochecha e falei “Você é o Thiago mais
lindo que eu conheci, mais esperto e mais inteligente, e não acredite em
ninguém que diga algo diferente, entendeu?” fiz cosquinha na barriguinha dele,
ele sorriu e terminei a troca com um tapinha leve no bumbum mandando-o de volta
à classe em meio a risadas.
Esse foi o momento, essa foi a
hora.
Pedagogia não para lecionar para
crianças, isso tem de sobra, Pedagogia para adultos, com o intuito de formar
bons pedagogos, bons educadores, bons profissionais escolares englobando não
apenas docentes e auxiliares, mas também merendeiras, porteiros, monitores.
Tentar colocar na cabeça de quem
faz Pedagogia, a importância desse curso para todos os outros.
Meu foco é diferente dos demais.
Eu quero forjar ferreiros que
forjarão fortes armaduras.
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